TRANSIÇÃO DOS ESPÍRITOS OU O MISTÉRIO DA MORTE

by Immanuel

(Éliphas Lévi)

Quando o homem adormece em seu último sono, primeiro cai numa espécie de sonho, antes de acordar do outro lado da vida.

Então cada um vê num belo sonho, ou num terrível pesadelo, o paraíso ou o inferno em que acreditou durante sua existência mortal.

Por isso, muitas vezes, a alma surpresa agita-se violentamente na vida que ela acaba de deixar, e os mortos, bem mortos, quando os enter-ramos, acordam vivos sob o túmulo.

Então a alma, não mais ousando morrer, consome-se em esforços inauditos para conservar a vida, de certa forma leguminosa, de seu cadáver.

Durante o sono, ela aspira o vigor fluídico dos vivos e transmite-o ao corpo enterrado cujos cabelos crescem como erva venenosa e cujo sangue vermelho colore os lábios.

Esses mortos tomaram-se vampiros; vivem conservados por uma doença póstuma que tem sua crise como as outras e que termina com convulsões horríveis durante as quais o vampiro, para tratar de aniquilar-se a si mesmo, devora os próprios braços e mãos.

As pessoas sujeitas ao pesadelo podem ter uma idéia do horror das visões infernais. Essas visões constituem o castigo de uma crença atroz e assediam, sobretudo, os crentes supersticiosos e os ascetas fanáticos. A imaginação criou algozes, e esses monstros, no delírio que ácompanha a morte, surgem para a alma com espantosa realidade, cercam-na, atacam-na e dilaceram-na, procurando devorá-la.

O sábio, ao contrário, é acolhido por visões felizes: acredita ver seus amigos de outrora surgir e sorrir-lhe. Mas tudo isso, dissemos, não passa de um sonho, e a alma não tarda a acordar.

Então, ela terá mudado de ambiente, está acima da atmosfera que se solidificou sob os pés do seu invólucro que se tornou mais leve. Esse invólucro é relativamente pesado; existem os que não podem elevar-se acima de seu novo chão; existem outros, pelo contrário, que sobem e planam à vontade no espaço, como águias.

Mas lacos de simpatia sempre os vinculam à terra onde viveram e onde sentem viver mais do que nunca porque, destruído o corpo que os isolava, têm consciência da vida universal e participam das alegrias e dos sofrimentos de todos os homens.

Eles vêem Deus tal como é, isto é, presente em toda parte na justeza infinita das leis da natureza, najustiça que sempre triunfa por meio de tudo que acontece, e na caridade infinita que é a comunhão dos eleitos. Eles sofrem, dissemos, mas têm esperança porque amam e estão felizes por sofrer. Desfrutam tranqüilamente da doce amargura do sacrifício e são os membros gloriosos, mas sempre sangrentos, da grande vítima etena.

Os espíritos, criados à imagem e à semelhança de Deus, são criaturas como ele; mas, como ele, só podem criar as suas imagens. As vontades audaciosas e desregradas produzem larvas e fantasmas. A imaginação tem o poder de formar coagulações aéreas e eletromagnéticas que refletem os pensamentos durante um momento e, sobretudo, os erros do homem ou do círculo de homens que os põe no mundo. Essas criações de abortos excêntricos esgotam a razão e a vida dos que os fazem nascer e têm por caráter geral a estupidez e a maleficência, porque são os tristes frutos da vontade desregrada.

Os que não cultivaram a inteligência durante sua existência continuam, após a morte, em estado de torpor e de adormecimento, cheios de angústias e de inquietação. Mal recobram a consciência de si mesmos, estão no vazio e na noite, não podendo nem subir nem descer, e incapazes de corresponder-se, seja com o céu, seja com a Terra. Eles são, pouco a pouco, tirados desse estado pelos eleitos que os instruem, consolam e esclarecem. Depois, conseguem ser admitidos para novas provas cuja natureza nos é desconhecida, pois é impossível que o mesmo homem renasça duas vezes na mesma Terra. Uma folha de árvore, uma vez caída, não se liga mais ao galho. A larva torna-se borboleta, mas a borboleta jamais volta a ser larva. A natureza fecha as portas após tudo o que passa e impulsiona a vida para a frente. O mesmo pedaço de pão não pode ser comido e digerido duas vezes. As formas passam, o pensamento permanece e jamais retoma o que utilizou uma vez.