O MAÇOM E O TEMPO

by Immanuel

Nada, pois, nos resta, se não uma parcela
mínima do Todo que desconhecemos,
e é nela que o formigueiro humano se agita,
 organiza e desorganiza, para depois se reorganizar,
até que um dia, no destino do planeta
que habita, com ele se dispersa no Espaço …
como poeira fecunda de outros seres,
que lhe sucedem no Tempo …

Augusto de Lima

 

Devemos trabalhar desde o meio-dia até a meia noite, sob o fluxo dos astros incrustados na esfera celeste, percorrendo uma senda cíclica por sob o ciclo zodiacal. O caminho iniciático sobre a esfera celeste configura um ciclo sagrado de trabalho. A execução do ritual em Loja é a manifestação de um tempo sagrado, em que o processo alquímico de transformação se constrói. Atuando nas esferas psíquicas sutis, a execução da Loja pode proporcionar profunda transformação no modo em que o Maçom percebe as várias esferas de consciência. A marcha no templo conduz das trevas a luz.

Considerar o tempo como algo sagrado consiste em transcender os conceitos usuais e trabalhar o fluxo do tempo como algo diferente, que perpassa mais as esferas de consciência e memória do que o cronológico ritmo do espaço-tempo.

Uma postura mágica perante o tempo implica em transformação da consciência para uma nova visão de mundo. Assim, trabalhar do Meio-Dia até a Meia Noite é uma jornada iniciática a ser desenvolvida dentro e fora do Templo. No Templo Maçônico incorporamos a experiência ao subconsciente. E no Templo Maçônico Interno que cada Maçom se torna, a prática do trabalho desde o Meio-Dia até a Meia Noite, deve ser realizada sob profunda reflexão.

A melhor forma de encarar o tempo como uma oportunidade sagrada é a correta observância aos fluxos em Loja. A circulação rotineira de energias em Loja é baseada no fluxo do tempo psíquico, pois a experiência astral de cada Irmão é partilhada por todos os demais. Cabe a cada um tomar com serenidade suas atribuições no trabalho da oficina, executando seu papel com a devida referência pelo cargo que ocupa. E se não ocupa cargo, que observe a reverência e a serenidade do momento, pois assim conseguira ser partícipe do fluxo de energias em Loja.

Acerca do assunto J. M. Ragon escreve:

A explicação corrente, apenas aceitável para um homem que tem espírito crítico, é que o homem aprende durante a primeira parte de sua vida e é somente quando chega ao meio-dia existência é que ele se torna útil à comunidade. Mas então, meia-noite corresponde à morte, as horas antes do meio-dia são visivelmente mais fecundas e úteis que os anos enfraquecidos da velhice.

 A Astrologia traz uma significação muito mais profunda a esta fórmula. Sabe-se que por analogia com a divisão do ano em doze meses ou signos, a Astrologia divide o dia em doze casas ou correntes astrais, possuindo cada uma o seu caráter nitidamente determinado. Neste sistema, meio-dia corresponde à X casa, o pôr do sol à VII e meia-noite à IV.

 Ao meio-dia, o Sol sai da X casa horoscópica, a dos negócios e da situação social, para voltar a entrar na IX, a da religião e do impulso espiritual. O homem, portanto, despe-se das coisas exteriores para voltar-se para o interior de si mesmo, para um mundo sutil e não material. A X casa é a dos negócios e das distinções sociais que é preciso abandonar ao serem abertos trabalhos de caráter filosófico, caráter que é da própria essência da IX casa.

 Depois da IX, o Sol atravessa a VIII casa, a da morte, da desagregação do antigo e do nascimento sobre um plano superior. Vários astrólogos deram a esta parte do céu (e só a esta parte) o sentido da Iniciação. Depois vem a VII casa, a do amor não físico, da dedicação e da vida social. Nascido num plano novo, o Maçom traz aqui o seu óbolo à Sociedade, tanto mais que a VI, que é a casa horoscópica seguinte, é a do serviço. Pode-se interpretar também esta passagem da VII à VI casa horoscópica como indício de que o Maçom não espera recompensa de sua ação social, mas que se prepara, ao contrário, para encontrar os espinhos da VI casa. O que quer que seja, desse serviço nasce a criação, que é a síntese da V casa depois da qual o ciclo termina pela IV, cujo sentido principal é o fim das coisas.

 Portanto, esta curta fórmula ritualística já oferece o resumo da evolução iniciática, sem falar de cada parte do dia, que possui uma influência real, mas ainda pouco conhecida pela nossa ciência, pois esta influência começa apenas a ser estudada pela astrofísica. Os longínquos criadores do nosso Ritual tomavam certamente em consideração esta variação do influxo cósmico no decorrer do dia, de maneira que as horas do Trabalho Maçônico tinham não somente o significado esotérico que acabamos de indicar, mas também constituem a prova consciente das forças cósmicas em vista da Iniciação…

O senso comum concebe o tempo como sendo constituído de ciclos ou idade. E para o Maçom uma única vida se desdobra em várias idades menores. Nos primeiros anos ou décadas de nossas vidas, dificilmente refletimos acerca do que vem a ser o tempo. Inicialmente o vemos como algo incomensurável e que parecemos ter de sobra. Como crianças ansiosas, imaginamos que “sempre haverá tempo”. A ansiedade infantil parece pretender imitar a vida adulta em sua imaginação, com jogos, e brincadeiras, como forma de perpetuar seus sonhos em projeções futuras.

Conforme os anos quedam nas faces daqueles minimamente despertos, em suas consciências se intensifica a necessidade de refletir sobre o tempo. Alguns observam o tempo fluir com esperança, outros acabam deixando a questão de lado e o veem como algo indiferente. Outros mais optam por digladiar-se contra ele, tomando-o como um adversário cruel que faz escoar os parcos dias que restam. Assim, desdobram-se em falsas soluções milagrosas que prometem estender indefinidamente a vida física. Entretanto, parece não haver solução para a velhice, pois ela se configura em uma lei natural. O corpo e a mente envelhecem, cansam e se desgastam juntos, e existe uma verdade natural inevitável que nos faz prestar obediência à lei dos ciclos de atividade e descanso.

Para algumas abordagens mais científicas e rigorosas, o tempo é o intervalo linear entre dois eventos distintos. Aqui a ideia de tempo linear, regido por equações matemáticas, invoca a ideia de previsibilidade. Uma supermente poderia abarcar todo o conhecimento matemático e equacionável que envolve o universo e poderia perfeitamente prever o comportamento dos mais diversos sistemas físicos. Poderia também essa supermente prever o comportamento dos sistemas humanos? Algumas especulações indicam que o comportamento de grandes massas humanas pode ser deduzido, sendo possível a demonstração de certas tendências de comportamento futuro.

O Maçom, entretanto, não deve se considerar como partícipe de uma grande massa de manobra. Ele é um operador de transformação social no mundo concreto, e um atanor alquímico nas esferas mais abstratas, onde constrói o templo interno, imagem do Universo.

Tempo e espaço são dois conceitos atrelados. Nossa percepção de objetos no espaço esta associada ao dimensionamento. Podemos associar vários objetos materiais que se apresentam em nosso dia a dia e a partir deles construir ideias mais amplas em nosso processo de interação quotidiana. Nossa ideia usual de tempo é semelhante. Tendemos a dimensionar o tempo como uma sucessão múltipla de eventos. Para nós o tempo parece fluir por um meio homogêneo no qual os fatos vão se justapondo e se alinhando. Nossos relógios de pulso externalizam bem tal conceito. Tais dispositivos, entretanto, não medem tempo. Na verdade, o que medem são espaços entre as divisões do display. Não podemos afirmar que o intervalo entre dois eventos é, a rigor, preciso, pois entre um e outro parâmetro de aferição, como um segundo, por exemplo, existem infinitos pontos cristalizados.

O tempo não pode ser encarado como uma sucessão de intervalos, mas como algo que flui de forma contínua, como o escoar de um rio ou um fluxo de luz ou calor. Talvez o giro contínuo dos ponteiros do segundo dos antigos relógios a corda seja uma representação mais real do fluir do tempo, do que os saltos nervosos dos ponteiros nos relógios modernos, a quartzo.

Abordagens científicas modernas passaram a considerar o tempo como função da consciência do observador. O tempo e a própria realidade só existiriam a partir do ponto de vista do observador e suas experiências assim definem o que vem a ser o sentido passado>presente>futuro.

Cada ser, no entanto, é resultado de incontáveis experiências e memórias. Esse é o sentido e o tecido do que entendemos por tempo psicológico. A consciência pode se concentrar no ínfimo momento que é o presente, e existir rigorosamente nele, sendo que tal realidade é baseada nas memórias e experiências já vividas.

Estudos recentes também sugerem que seres de espécies distintas, percebem o passar do tempo de maneira diferente. Suas consciências são responsáveis pela forma que interagem e experimentam o mundo, dentro de suas realidades. Se tal concepção se estende a individualidade então cada ser é único e um universo em si.

O tempo psicológico possui natureza circular, emulando a dinâmica da própria natureza. Por outro lado, a imobilidade de um círculo existe em seu centro. Analogamente, os seres manifestam sua existência em tempo circular, sendo que em essência possuem imobilidade.

Em uma construção geométrica, é justamente o eixo central o que possibilita o movimento de todo o resto. A essência do ser manifesta-se por intermédio do movimento que emana a partir de sua essência ou Eu Superior. Esta roda cíclica implacável pode parecer angustiante, mas é uma fonte inesgotável de aprendizado.

Talvez, ao mirar nossos relógios, em suas formas normalmente circulares, sejamos tomados dessa angústia temporal que nos escraviza. Ao contar horas e minutos entre os eventos, vendo o tempo escorrer por entre os ponteiros, cabe lembrar que a consciência transcende o movimento. Isso remete à ideia de concentração – de estar no centro.

Temos inúmeras tarefas ao longo de uma vida. Elas vão surgindo à medida que a consciência avança em sua experiência diária. Cada vez que chegamos a um ponto de nossa jornada, estamos aptos a encarar um novo desafio. Um ancião poderia pensar que uma vida inteira parece ser curta para as muitas tarefas que já realizou e que poderia realizar ainda mais. Na natureza, entretanto, tudo é corretamente mensurado, e cada um recebe o exato quinhão necessário para as tarefas que deverá realizar e para o que deverá aprender. Não existe desperdício no universo. E tampouco distribuição aleatória de responsabilidades. Existe um tipo de administração atemporal que emana do Eu Superior.

A marcha de cada um segue por uma teia enorme de adversidades. Cada Maçom flui por muitos extremos de pesquisa e por leituras diversas. Aprende com os clássicos e com o pensamento de muitos que expressaram sua forma de perceber a verdade interna do mundo. Ante tal vastidão de conhecimento, produzido ao longo de séculos, é normal se sentir pequeno, deprimido e incapaz de abarcar a imensidão da sabedoria. É como tentar olhar em minúcia o disco solar. A grandiosidade da sabedoria malmente desvelada pode ofuscar.

A luminosidade intensa do sol não permite a sua observação direta. Para estudar o sol é necessário investigá-lo em partes. A intensa luminosidade da sabedoria eterna também ofusca a limitada compreensão humana, que só pode aprofundar-se em alguns ramos de seu estudo. O estudante Maçom sabe que deve fazer uso de alguns filtros internos para descobrir a que deve seguir se dedicando. Isso tem a ver com o seu momento presente.

Tudo vem no tempo certo. Assim, é importante refletir bem acerca das metas e prioridades que temos. Confrontar o que queremos realizar com o que de fato realizamos, é um exercício de sabedoria.

Sêneca escreveu que:

“A vida é longa o bastante e nos foi generosamente concedida para a execução de ações as mais importantes, caso toda ela seja bem aplicada. Porém, quando se dilui no luxo e na preguiça, quando não é despendida em nada de bom, somente então, compelidos pela necessidade derradeira, aquela que não havíamos percebido possuir, sentimos que já passou, É assim que acontece: não recebemos uma vida breve, mas a fazemos; dela não somos carentes mas pródigos.”

É importante focar a mente no que é correto e racionalizar bem o tempo de que dispomos. A distribuição de tarefas deve estar de acordo com o que escolhemos para realizar em nossas vidas. O segredo de se levar a uma vida feliz consiste em congregar nossas habilidades com a satisfação em realizar uma tarefa útil a si e aos demais. Quando se incorpora este bom sentimento, o foco no trabalho passa a ser natural, e a ilusão do passar do tempo se desfaz.

Afirma-se que o tempo é relativo e sua duração depende da tarefa que se realiza. Entrar em um tipo de estado de fluxo mental, em uma tarefa que se tem afinidade, desfaz a ilusão do tempo.

Cada um que vai realizando descobertas sobre si mesmo tem um compromisso com o ideal de construção do futuro. Este futuro floresce a partir do reencontro com as potencialidades inatas de cada um. As tarefas corretas surgem por primeiro de um centro interno de motivação, de um certo entusiasmo que cada um vê florescer. Trata-se de um reencontro com aquilo que existe em nós, que é sagrado e intuitivamente tomado como verdadeiro. É o reencontro com o centro da roda do tempo.

Mesmo após um estafante dia de trabalho, encontramos justamente no entusiasmo a energia necessária para continuar este processo de descoberta de um equilíbrio interno.

O cansaço rotineiro por vezes tende a prejudicar uma tarefa. Porém, a vontade maior de persistir no aprendizado e de realizar boas ações, busca energias em reservas secretas. É justamente o contato com as dimensões infinitas de pensamento, que proporciona a motivação que surge de forma espontânea e surpreendente.

A duração de uma vida passa a ser suficiente, pois entendemos que estamos aprendendo as coisas necessárias. A ilusão de que o tempo é escasso desaparece. Essa ilusão é um grande obstáculo para o aprendizado

Cada ser é um ponto infinito que possui, em potencial todo o conhecimento acerca da existência. Algumas leis básicas são compreendidas e elas parecem permear a todo o universo. Quanto mais certezas adquirimos, mais serenidade interna seguimos reunindo. Este padrão vibratório, este tipo de energia é como a entropia que segue se propagando pelo universo, mas em sentido positivo, pois ela segue organizando as mentes.

Ante o tempo eterno, cada curto período de uma vida é uma oportunidade sagrada que temos para aperfeiçoar o processo de autoconhecimento e para transmitir o que aprendemos.

Quando tal o hábito se cria, o Maçom não vai estranhar quando subitamente se ver disperso e dissoluto no espaço-tempo, imergindo no oceano eterno que representa a grande obra do G⸫A⸫D⸫U⸫

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