CONSTRUINDO UM TEMPLO INTERNO

by Immanuel

Um dos primeiros passos na caminhada do Maçom, em sua jornada, rumo a autoconsciência passa por uma misteriosa deferência por tudo o que é grandioso e desconhecido.

Esse é um passo importante. O assombro com a vastidão da natureza, do universo, do mistério da vida, inclina o Maçom ao desejo de expressar o que aprende, seja na forma escrita ou verbal, fazendo uso de sua própria percepção dos fenômenos concretos e de suas impressões metafísicas. Esta reflexão sobre o mundo é intuitiva, manifestando-se inicialmente por símbolos que se materializam em pensamentos e palavras.

O sistema da natureza, que o Maçom principia por desvelar, contém, em potencial, todo o conhecimento acerca da evolução do universo, de suas leis e quiçá de sua finalidade.

O desejo humano inicial de devotar reverência à natureza, expressa-se na construção de templos físicos de madeira e pedra, evoluindo até imponentes construções que atravessam o tempo e que carregam em si todo o sistema do mundo. O simbolismo presente nos templos, é a expressão da autoconsciência adquirida por seus criadores, que escreveram em pedra suas histórias de autodescoberta interior.

Templos verdadeiros não são construídos de forma aleatória. Respeitam o sistema inscrito na natureza e lançam o Maçom a uma profunda reflexão acerca do significado da existência. O Maçom então acaba se voltando para um trabalho de transmutação de si mesmo, evoluindo para o labor interno de construção de um tipo de templo em sua própria consciência.

Templos podem ser vistos como livros esculpidos, uma forma de arte com a qual podemos transmitir saber e conhecimento e expressar outras ideias, na forma de elementos simbólicos, que são um convite à reflexão. Em certo momento, o templo se torna um tipo de espelho, onde o Maçom vê a si próprio, vislumbrando um modelo do que deve ser internamente construído.

Todo templo é um reflexo do mundo divino, sendo a expressão ou réplica terrestre do arquétipo celeste, da imagem cósmica. Todo o universo é um templo que expressa a divindade e analogamente diremos que a alma humana é o templo do espírito.

A palavra templo está relacionada ao movimento aparente dos astros no firmamento. Para os romanos, a palavra latina templum significava “o setor celeste que a ágora romana delimitava com o auxílio de seu bastão e em que observava, seja os fenômenos naturais, seja a passagem dos pássaros, designando o lugar ou edifício sagrado, onde se praticava a observação do céu”. Já para os gregos o termo temenos, e que provinha do mesmo radical tem (que significa seccionar ou seccionado, dividir), era identificado como o local reservado aos deuses, que era sagrado e intocável. Com tal característica, o templo era também identificado com o centro do mundo, de onde todo o espaço nasce e circunscreve e nele se resume. Como manifestação da divindade, o templo é a cristalização da vontade celeste.

A planta do templo é normalmente quadrangular, sendo que a sua quadratura é obtida a partir de uma circunferência traçada em torno de um quadrante solar, e a sombra deste é que indica a direção dos eixos cardeais. Quando as direções são determinadas, o espaço e o tempo surgem e iniciam sua marcha, em um processo que imita a criação do mundo.

Para o Maçom ter pleno acesso ao conhecimento que circunscreve o templo, é necessário que ele realize a obra alquímica nele mesmo, vivendo em espírito o processo de autoconstrução. A própria arquitetura do Templo Maçônico é simbólica. Sua orientação é no sentido leste/oeste, com a entrada a Ocidente e o trono do Venerável Mestre a Oriente, sendo um modelo arquetípico que se expressa em muitas culturas. O interior representa o caminho que o Maçom deverá trilhar, desde o Ocidente ao Oriente, isto é, na direção da luz. O Templo Maçônico apresenta dimensões indefinidas que indicam sua identidade arquetípica, pois seu comprimento vai do Ocidente ao Oriente, sua largura segue do setentrião ao meridião, e sua altura do nadir ao zênite. O teto do Templo contém uma abobada constelada, que representa o céu noturno, e por detrás do trono do Venerável desponta o Delta Luminoso, trindade que a tudo vê.

O silêncio evocado no Templo Maçônico deve ser um convite à reflexão e a paz. Todo Maçom deve reverenciar o templo em silêncio. Assim como o Maçom é destituído dos sentidos ordinários ao partir para o Oriente eterno, devera observar o silêncio quando estiver na trilha simbólica iniciática que compõe o recinto sagrado do Templo. Assim, toda conduta inadequada deverá ser deixada de lado, e o Maçom deverá realizar uma profunda e reverente meditação antes de adentrar o Templo, elevando-se assim intuitivamente a outras esferas de pensamento.

No entanto, sabemos que a marcha do tempo, os ciclos da natureza e da história das civilizações, com suas marés, fluxos e reflexos, a tudo muda e transforma. Só o que é imortal é a tênue reminiscência de algo eterno presente em todos os seres.

A verdadeira paz interna, dispensa o que é destruído pelo tempo. O Maçom, com o tempo, passa a focar em sua própria substância essencial, que em si é duradoura. Os edifícios de pedra um dia se tornarão desnecessários. Não será nos altares de mármore que o Ser Imortal surgirá, e sim no átrio dourado do coração do Maçom que busca a verdade.

O mesmo silêncio encontrado nos templos de pedra pode ser encontrado na vastidão dos mares e campos, no ocaso dourado do sol, no brilho argênteo da lua e dos astros no firmamento. Existe um templo a nossa volta, tão grandioso que se estende desde a imensidão do universo até o centro invisível da consciência de cada ser vivo.

Em algum momento de seu caminho o Maçom começa a olhar para dentro de si. Começa a perceber que ele mesmo é um templo. Que é composto de muitas moradas, as quais são habitadas por muitas faces diferentes de si mesmo. Cabe adentrar em cada um destes cômodos, e afastar as cortinas que impedem que a luz adentre, e limpar e iluminar o recinto. Esta luz surge de dentro, de seu Eu Real e Superior, que é o habitante do templo interno. Esta é a verdade, partilhada por todos os seres e que pode ser amadurecida por um processo de autoconstrução.

Ao avançar no caminho do ensinamento contido nas obras clássicas, bem como no esforço interno em cultivar e preservar a verdade, o Maçom segue cristalizando o processo de aprendizado e a autoconstrução se consolida.

O sistema ético que o Maçom aos poucos constrói se torna um modo natural e automático de conduta no dia a dia. Aos poucos vai se afastando de coisas inúteis e preferindo a companhia do bem e da verdade.

Os semelhantes interagem e cooperam entre si, então é natural que o bom magnetismo acabe por congregar aqueles que tem por norma o cultivo da ética e do altruísmo. Se cada Maçom se torna um pequeno centro de boa vibração, isso contribui para que ocorra uma intensa transmutação na sociedade como um todo, que passa a cumprir corretamente o seu papel histórico.

Mahatma Gandhi, como tantos outros, ensina pelo exemplo, e definiu normas de conduta ao seu Ashran (mosteiro), que são a expressão de um profundo amor ao ideal sagrado de cumprir com os deveres apontados pela natureza humana. Ele escreve:

“Com toda humildade me esforçarei para ser amigo, verdadeiro, honesto e puro, para nada possuir de que não tenha necessidade, para merecer o salário do meu trabalho e ser eternamente vigilante naquilo que bebo e como, e para ser intrépido sempre, procurar ver sempre o bem no meu próximo, seguir fielmente o svadeshi (serviço altruísta) e ser um irmão para todos os meus irmãos.”

É certo que cada esforço, pequeno que seja, rumo a meta correta da justiça interna e externa, contribui para fortalecer o caráter interior. O cultivo do hábito da meditação, proporciona expansão da consciência e sintonia com o espírito imortal.

Além disso, o contato frequente com a natureza, e suas expressões (ventos, rios, florestas, terra e céu) favorece e amplia a percepção interior, a qual torna-se capaz de absorver as mensagens ocultas que a natureza expressa. Também é possível ter um vislumbre da harmonia sagrada existente no fluxo do tempo e nas muitas dimensões do espaço que nos circunda.

Aos poucos, o Maçom aprende a se tornar um pequeno templo; um pequeno espelho do universo, que representa a expressão da Lei Universal na escala da consciência humana. Este centro da consciência que desperta aos poucos, torna-se, com o tempo, um santuário onde pode adentrar com frequência, deixando do lado de fora todas as preocupações materiais.

Para viver como um templo, é preciso ter foco nas ações corretas, abandonando ou combatendo os males do mundo. É correto o auxílio à evolução dos demais seres, nossos irmãos de caminhada. E quanto mais nos conhecemos, mais podemos conhecer os outros seres, sendo possível dialogar diretamente com suas almas e mentes, por intermédio de uma linguagem sutil e intuitiva, característico dos veículos de Budhi-Manas[1] , conceituado pelo esoterismo oriental.

Cada um é uma fortaleza em construção. Não somos, porém, como uma dura e alta muralha. Guardamos tesouros em nossos corações a medida em que vamos acumulando experiência dentro de um processo constante de aprendizado, que pode se desdobrar em muitas esferas ou planos de existência, deste mundo manifestado ou do oriente eterno.

A vida do Maçom, passa a servir de exemplo impessoal. É um tesouro interno que se vai expandindo e acaba por cooptar os seres aptos a partilhar do mesmo magnetismo. Pois aqueles que congregam do mesmo ideal de vida em um templo, constituem a base da verdadeira felicidade, e da bem-aventurança incondicionada.

A Maçonaria tem a sua base no plano celeste e no espírito imortal de seus membros. O mundo que existe fora do templo é um campo de provações que deve ser corretamente trabalhado por aqueles que estão dedicados à prática do bem; é também um ideal de construção que proporciona a digna oportunidade de convívio e cooperação na construção do futuro da humanidade. A ela oferecemos nosso trabalho e nossas bênçãos.

[1] Budhi-Manas: correspondem aos dois veículos que, juntamente com Atma, compõem a trindade sagrada da tradição oriental. Estes veículos possuem correlação com a composição da essência divina dos seres, formada pela inteligência pura (Manas), intuição (Budhi), e essência divina (Atma), conforme o esquema a seguir:

(*imagem adaptada de “A Chave da Teosofia”, de Helena P. Blavatsky).

Os demais veículos, que compõem a quadratura inferior e perecível se dissolvem junto com o corpo físico. Só o que subsiste é a trindade, a mônada imortal. A ponte dinâmica entre a trindade e a quadratura se designa por Anthakarana, a qual representa o esforço do A⸫M⸫ enquanto esquadreja a pedra bruta e realiza a obra de transmutação, o que resulta no triângulo se sobrepondo ao quadrado inferior, assim dando segmento aos degraus superiores da escada do aprendizado.