Em várias tradições culturais mundo afora, os símbolos têm uma função central na interpretação do Universo e da vida. Dentre os diversos elementos simbólicos observados, a Lua ocupa uma posição de destaque, haja vista que, junto ao Sol, representa um arquétipo da divindade gravado desde tempos imemoriais na psique humana. A Lua Cheia, em particular, representa um simbolismo mais profundo. Cercada de poder e significado, é vista como um momento de ápice de revelações e transmutação de natureza espiritual.
Na tradição hermética, a Lua é considerada um tipo de reflexo da luz solar, representação da divindade, ou da essência do espírito puro e criador. Ao estar completamente iluminada, expressa o máximo de tal reflexão, sendo então indicativo do ápice do conhecimento espiritual, que neste momento está plenamente acessível à consciência humana. O hermetismo enfatiza que o mundo material é apenas um reflexo imperfeito do mundo espiritual. Analogamente a Lua Cheia como reflexo do Sol, representa a plenitude da expressão divina no mundo material.
A noite em si apresenta simbolismos diversos. Um deles a relaciona as trevas da ignorância, na qual o ser humano, afastado da consciência de sua verdadeira natureza espiritual, desconhece a sua verdadeira origem. Então cerimonias realizadas durante a Lua Cheia – presentes em várias tradições – tencionam despertar a consciência daqueles que a realizam, o despertar da natureza espiritual nas trevas da ignorância.
Tal simbolismo apresenta e traduz a ideia de que o ser humano, enquanto se esforça num processo de purificação e evolução interna, se torna mais capaz de ele próprio refletir a Luz Divina na matéria, ou ainda uma luminosa postura virtuosa no meio em que exerce suas ações. A metáfora da Lua Cheia indica, portanto, o estado em que o buscador da verdade se encontra em plena comunhão com o que é divino em si, sendo capaz de refletir, ou transmitir, a sabedoria em seus atos ao mundo material.
As fases que a Lua percorre, desde o estado de nova até cheia, representam a jornada do buscador da verdade, que desde as fases de escuridão e sublimação, atinge o ponto máximo de iluminação e conhecimento. E como a natureza é organizada por ciclos espirais ascendentes, após a fase de Cheia a Lua representa um ocaso de hibernação para iniciar um novo ciclo. Assim o adepto deve ter a consciência de que após um ciclo de aprendizado pleno na ação efetiva, vem uma fase de autoanálise e recomeço de um novo ciclo de aprendizado.
Mircea Eliade escreve que a Lua é um
“astro que cresce, decresce e desaparece, cuja vida depende da lei universal do vir-a-ser, do nascimento e da morte… a lua conhece uma história patética, semelhante à do homem… mas sua morte nunca é definitiva… Este eterno retorno às suas formas iniciais, esta periodicidade sem fim, fazem com que a Lua seja por excelência o astro dos ritmos da vida… Ela controla todos os planos cósmicos regidos pela lei do vir-a-ser cíclico: águas chuva, vegetação, fertilidade…” (Tratado da História das Religiões)
Sendo também um símbolo dos ritmos biológicos, ela estabelece um parâmetro cultural importante, que expressa o tempo vivo, do qual ela é a medida, por suas fases regulares. Todos os ciclos regidos pela Lua, todas essas simetrias temporais e periódicas, foram percebidas intuitivamente pelos seres, desde os primórdios, marcando um dos primeiros parâmetros naturais de identificação do homem com os ciclos arquetípicos que regem e regulam a natureza.
Por três noites, durante a fase de nova, a Lua tem seu brilho anulado. Neste período ela simboliza aquele que está morto, que desapareceu do mundo manifestado e que voltará a vida após um período de renovação, como já dito. Aqui ela se identifica com o neófito em provação, com o aprendiz que desce aos submundos obscuros em busca da luz iniciática, ou com o Mestre que foi morto e oculto e desperta em um novo mundo.
Identificando-se com o que é frio e indireto, a Lua também simboliza o conhecimento teórico, antítese das ações práticas. Aqui a Lua se relaciona ao simbolismo da coruja, animal noturno e vigilante, capaz de ver sob as trevas, e que expressa simbolicamente as qualidades da razão.
O elemento água se relaciona a Lua. Estatisticamente as chuvas vem em maior precipitação durante as fases de mudança, especificamente sob a cheia. Nesta fase, isso se processa devido a um aumento da pressão barométrica, o que resulta em maior capacidade da atmosfera em reter humidade, e consequentemente mais chuva. Esta relação profunda com a água, percebida desde os primórdios, relaciona a Lua com a fauna e flora aquáticas, com a produção de água, que irriga e floresce as colheitas e, consequentemente, com a fecundidade. As águas primordiais simbolizam o oceano de onde procede o mundo manifestado, o que justifica a Lua símbolo da fecundidade. Em algumas tradições a Lua também é chamada de Soma – a taça – que contém o líquido criador da imortalidade. Aqui fazemos relação da Lua com o útero materno, que contém a capacidade de gerar a manifestação do espírito na matéria.
As divindades femininas possuíam forte importância junto as tradições culturais antigas, e a Lua tem forte relação com o princípio feminino representado pelas deusas, tais como Isis, no Egito antigo, Artemis na Grécia, e Diana em Roma, dentre muitas outras. Nesse contexto, a Lua Cheia é o símbolo do auge do poder feminino, expressando fertilidade, intuição e sabedoria. Por séculos os cultos solares prevaleceram e a figura do Deus-Pai ofuscou a importância que o sagrado feminino deve ter para que haja o devido equilíbrio entre os opostos na natureza e na psique humana em particular. E como vivemos em um universo regido pela dualidade, está deve se fazer presente na construção do ser integrado à natureza. Para a tradição hermética, este equilíbrio é muito valorizado. Durante a Lua Cheia o princípio feminino está em sua maior força e na Lua Nova o que prevalece é o masculino. Muitas manifestações religiosas resgatam a presença da mãe do mundo como fator imprescindível na formação do ser integral.
Muitas tradições relacionam a Lua com alguma divindade ou com um ciclo natural, expressando positividade ou negatividade. No hinduísmo ela é o emblema de Shiva, a divindade transformadora, e regenerativa do universo. Ela também é relacionada a Diana e Hécate (na tradição romana antiga), que se identificam, respectivamente, às portas do céu e do inferno, conforme a tradição do deus Janos, que tem suas faces voltadas aos opostos. Para os chineses a Lua é relacionada ao princípio feminino Yin, símbolo da fecundidade. Entre os povos pré-colombianos ela assume muitos aspectos, mas no geral a relacionavam a criação e ao princípio formador das águas, a fecundidade e a proteção do princípio feminino em todas as coisas.
Em algumas culturas, no entanto a Lua é vista como uma divindade de natureza masculina. Otto Zerries, em sua obra “Os princípios arcaicos dos povos sul-americanos”, cita o caso dos índios gês do Brasil, para os quais a Lua é uma divindade de natureza masculina, e que não possui nenhuma relação com o Sol. Para alguns povos semitas a Lua é do sexo masculino e o Sol feminino, haja vista que algumas tribos nômades costumavam viajar a noite e tinham a Lua como seu guia e protetor. Inclusive a mudança periódica lunar inspirou os Judeus a adotá-la como seu símbolo, haja vista que durante muitos milênios foram um povo errante e que muitas vezes precisou modificar seu rumo migratório com regularidade, tal como a Lua o faz em seu deslocamento zodiacal anual.
O poeta Rumi escreve: “O Profeta reflete Deus como a Lua reflete a Luz do Sol. Também o místico que vive do brilho de Deus, se parece com a Lua, pela qual se guiam os peregrinos de noite”; sendo que na tradição islâmica a Lua adquire importante simbolismo, como um dos signos do poder de Alá e do cânone islâmico. Ela representa também a morte e a ressurreição (o crescente lunar).
A tradição hermética também considera a Lua Cheia como manifestação do inconsciente, da intuição e do lado mais emocional da psique humana. Indica também o momento de maior receptividade espiritual, em que as mensagens intuitivas e simbólicas do inconsciente se tornam mais claras. Neste período ocorre a gestação das ideias e da sabedoria oculta, que tende a se revelar de forma plena. A tradição celta acreditava que dormir ao relento sob a Lua Cheia, potencializa o contato com o mundo espiritual, daí a tradição de se construírem “torres de sonho”, onde o adepto dormitava e na alvorada recebia importantes ensinamentos e presságios desde o mundo sutil.
Outro aspecto interessante é o que relaciona a superfície lunar a todo um bestiário, segundo o que dita a imaginação de diferentes povos. Assim, cães, lebres, raposas, jaguares, ou até mesmo figuras humanas são indicadas como presentes na superfície lunar. Durante os eclipses lunares – quando a sombra da Terra obscurece a Lua – algumas culturas acreditam que a Lua está sendo devorada por alguma entidade extracósmica, razão pela qual fazem enorme estardalhaço para afugentar a criatura (este que escreve presenciou manifestações desse tipo, em sua já longínqua infância).
A Lua faz a volta completa no ciclo zodiacal em 28 dias. Assim, inicialmente a horoscopia era realizada levando em consideração o ciclo lunar, ao contrário da moderna astrologia, a qual considera o ciclo do Sol no zodíaco.
Este ciclo de 28 dias é considerado fator de suma importância em muitas tradições também. Sidarta Gautama meditou por 28 dias sob a figueira de Bodhi antes de atingir a iluminação do nirvana. Também entre os brâmanes existem 28 estados angélicos antes de se atingir a plenitude. Para os hebreus, as 14 falanges da mão direita têm relação com a Lua crescente e serve para abençoar, já as 14 da esquerda se relacionam com a mão esquerda e a lua minguante, simbolizando as maldições que esta pode lançar. As duas mãos juntas, com suas 28 falanges, são o símbolo do ciclo lunar.
O ciclo lunar remete aos de nascimento, crescimento, declínio, morte e renascimento. Para a tradição hermética o ciclo dos seres também se processa pela antítese entre o crescimento espiritual e escuridão e eventualmente iluminação. A Lua Cheia é identificada com a culminância desses ciclos, como se fosse um ponto de equilíbrio entre as forças opostas do universo.
As práticas alquímicas, muito presentes na tradição hermética tratam a Lua Cheia como a conclusão da obra, o instante em que o alquimista alcança a transmutação final. Assim a obra alquímica e o ciclo lunar se dariam da seguinte forma: a Lua Minguante e a Lua Nova estão interligadas ao “nigredo” ou a fase negra da decomposição alquímica. A Lua Crescente representa o “albedo” e a “citrinitas”, a fase de purificação e da iluminação; e por fim a Lua Cheia simboliza o “rubedo”, a fase final, quando a transmutação ocorre e a matéria é efetivamente transformada no ouro espiritual.
Luz e Sombra: Integração dos Opostos
O universo apresenta uma constante tensão entre opostos. A luz e a escuridão, a consciência vigílica e o inconsciente, o espírito e a matéria são exemplos de onde podemos intuir esse embate. Quando a Lua Cheia ilumina o céu noturno, isso por si só constitui uma metáfora significativa da integração desses opostos, que temporariamente se tornam um. Esta harmonia temporária deverá ser definitiva quando o processo de autoaperfeiçoamento se concretizar, naquele que busca a verdade. É quando ocorrera a sublimação espiritual e a união do microcosmo humano com o macrocosmo universal. Esta união se constitui em um processo interno, que se dará no âmbito consciencial de cada um, e que encontrara a divindade dentro de si, evocando um dos princípios herméticos elementares: o da correspondência.
O processo hermético passa por esse reconhecimento de que a luz não pode existir sem o seu oposto. Desta forma, a Lua Cheia se torna um símbolo desse processo de unificação, no qual o sábio reconhece tanto os seus aspectos luminosos quanto os sombrios, de sua própria natureza. Então o brilho da Lua Cheia revela ao iniciado a escuridão que existe ao seu redor, indicando o conhecimento que ilumina as profundezas do inconsciente.
No simbolismo Maçônico, a Lua e o Sol são equilibrados pelo Venerável Mestre, fator de equanimidade entre os opostos, e que é o fiel da balança da justiça junto as antíteses, e que conduz a harmonia do Templo. Outro fator importante remete aos trabalhos maçônicos no âmbito do silêncio, da iluminação indireta, do mistério, e do equilíbrio entre luz e sombra.
Tal como no processo de transmutação alquímica, a Lua representa o processo de sublimação do Maçom. Ela não somente conduz o estudioso no caminho da iluminação, mas também indica a importância da postura intuitiva, silenciosa e reflexiva que todos devem assumir quando em Loja, o que auxilia na criação do templo interno que cada Maçom constrói em sua jornada.
Conclusão
O ato de contemplar a Lua, livre das amarras da razão, deixando fluir apenas a intuição, nos proporciona epifanias profundas acerca da uma realidade oculta e muito particular a cada um. Este assombro ante a grandiosidade da criação fala direto a nossa alma imortal, e pode contribuir para a união e harmonia em cada ser, que é necessária para a construção do Templo Interno. Ali, neste mundo de percepção diferenciada, o sábio buscador da verdade encontra iluminação e transmutação, ao ouro dos filósofos.
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