Arte Real

Sic Transit Gloria Mundi

A EXALTAÇÃO

Este é o nome que se dá à cerimônia de iniciação ao Grau de Mestre Maçom, constituindo o ponto culminante da Maçonaria Simbólica.

A palavra latina exaltare é a raiz da palavra exaltação, e remete a ideia de glorificação, entronização, altivez nobre, ou engrandecimento. Por outro lado, possui também um sentido pejorativo, que expressa a ideia de exasperação ou envaidecimento, sendo que isso não expressa a raiz original da palavra.

A meta de todo neófito maçom é a exaltação, ocasião em que lhe será concedido o mestrado na ordem. Mas primeiramente cabe ao maçom se perguntar qual sentido da palavra exaltação será mais significativo para si, antes de se entender merecedor do grau de Mestre. Cabe responder, ante o tribunal de sua consciência, se anseia a exaltação para a glória do Grande Arquiteto do Universo que habita em si e em todos os seres, ou se preenchera apenas um exercício de vaidade indigno.

Caso a resposta humilde e sincera, que pode ser lida nas páginas escritas no coração, seja a primeira, pode ter certeza de que, parafraseando Shakespeare, os Anjos e Ministros Celestiais lhe valerão, e seu caminho de construção de boas e virtuosas obras será abençoado.

O cerimonial iniciático da exaltação maçônica deve ser plenamente vivenciado, a fim de que toda sua simbólica seja absorvida pelo neófito, e seu real significado seja compreendido, haja vista que a ritualística maçônica inicia no plano físico para se efetivar no mundo mental, onde as transformações mais relevantes serão processadas. Assim, é imperativo que todos os envolvidos durante um cerimonial maçônico, não somente de exaltação, estejam cônscios de que suas personalidades individuais devem ser abandonadas para darem lugar aos arquétipos representativos das energias mentais e divinas ali presentes.

Ao iniciar a exaltação, a assembleia dos Mestres recebe o neófito com certa desconfiança e violência, pois ele é tomado como responsável por um terrível crime de assassinato do seu próprio Eu Superior, e este crime misterioso é objeto de um profundo auto interrogatório, conduzido pelos presentes e que refletirá na consciência do neófito. A primeira lição a ser aprendida diz que são os golpes da vida profana e a pressa em logo tudo aprender e absorver, que contribuem significativamente para nos afastar de nossa verdadeira essência, que corre o risco de ficar inerte e quase esquecida. Então de fato, a princípio, assiste razão a acusação, eis que somos responsáveis por tal crime.

Ato contínuo, o neófito deverá dar testemunho de seu juramento à verdade, que se representa pela brancura de suas intenções, com que se apresenta a Assembleia de Mestres, e renega tal crime, afirmando sua devoção, fidelidade e serviço a divindade que em si habita. Dirigindo-se então ao chamado do destino, o neófito segue com passos não vacilantes, à medida que os Mestres o fazem dirigir-se ao caminho da verdade, levando sobre si os golpes dados pelos sentidos e vícios, porém mantendo-se firme e comprovando seu amor a sabedoria, e atestando sua inocência.

No vale amargo que precede o reencontro com a divina sabedoria, o neófito se une ao Eu Superior, passando a representar ele mesmo aquele que foi renegado, vilipendiado e despedaçado pelos látegos do assassino, tal qual Osíris que é despedaçado por Seth, de acordo com a tradição iniciática do Egito antigo. Morto o neófito, o mau triunfa sobre o bem. Porém isto é provisório, pois a energia do bem é superior.

Antes de morrer o neófito agonizante passa por um intrincado processo de rememoração de todo a sua vida que está impressa no corpo. Portanto suas vicissitudes e provas, conquistas e despojamentos, lhe servem de elementos para proceder o julgamento perante o tribunal de sua consciência. Estas impressões obtidas serão usadas para subsidiar sua glorificação, bem como o reconhecimento de delitos a corrigir.

Morto o neófito ele deverá ser sepultado, pois como toda semente, deverá apodrecer sob a terra para renascer de novo com a nova consciência que é capaz de perceber a verdadeira realidade dos mundos imanifestados. A putrefação do corpo representa as paixões que deverão se desprender dos ossos e estes, os vícios mais tenazes, deverão ser reduzidos a pó.

No túmulo do neófito nascerá a árvore dourada, símbolo da consciência solar e imortal. Tal como a árvore da vida renascida, a consciência criará raízes no céu e poderá se manifestar no mundo das formas, cultivando a grande obra e o elixir da existência imortal.

As tradições filosóficas e esotéricas universais identificam uma manifestação arquetípica que indica um confronto com a efígie da morte – a caveira – logo após o neófito cruzar o umbral entre este mundo e o dos mortos. Nesse mundo terrífico, que se chega logo após a morte, o neófito confrontara seus fantasmas. Este lugar ou câmara é a recôndita selva em que a alma irá defrontar-se com provações e descer aos infernos em busca do caminho da ressurreição. A salvação advirá com o reconhecimento da vida eterna e a morte da personalidade. Como Dante, Orfeu e tantos outros que contemplaram a divindade, o neófito encontrará a luz inefável, que habita em seu próprio espírito. Um crânio luminoso, que é o símbolo do Grau de Mestre.

O agora Mestre tem condições de perscrutar os mistérios da vida e da morte, e reconhecer o seu real significado. Vida e Morte são as duas faces da mesma moeda e não existem individualmente. O Mestre agora reconhece que a existência é a moeda e seus dois lados se manifestam sucessivamente. Ele agora reconhece que o sentido de sua existência é o caminho rumo a consciência divina e a imortalidade.

Mas o palácio celestial não é tomado soberbamente. A humildade e o sacrifício são duas premissas que definem o mestrado. Ao seguir educando a si próprio na senda discipular, o Mestre é responsável por levar sob seus ombros a responsabilidade sob os demais, a quem ainda não foi oportunizada uma via iniciática. A estes órfãos o Mestre se dedicará e seu esforço será concentrado em combater a ignorância, ensinando pelo exemplo. O Mestre seguirá se lapidando e se aperfeiçoando moralmente e espiritualmente, construindo-se por intermédio do estudo e do exercício da caridade e do altruísmo.

O RETÁBULO E O DOSSEL

Nas oficinas Maçônicas, existe sobre o trono do Venerável e demais presidenciáveis, uma estrutura quadrangular, adornada com seda e franjas. A essa estrutura denomina-se Dossel.

O Dossel pode ser adornado por diversas cores, e por elementos simbólicos relacionados ao caráter da oficina e ao Rito praticado em Loja. Significa ali a unidade de intenções da Loja, pairando sobre o Venerável Mestre, representante ali presente, que deverá conduzir a sessão conforme ali indicado.

No dossel do Rito Adonhiramita prevalecem as cores azul e amarelo, sem adornos. O azul expressa os pensamentos espiritualizados e elevados. É a cor da verdade, da lealdade, da serenidade e da infinitude, pois São João o relaciona ao grande abismo. O amarelo está relacionado ao Sol e ao ouro, ou a Luz e a Sabedoria divinas. Nas virtudes teologais esta cor simboliza a fé e nas mundanas a generosidade do coração. Para a tradição oriental é a cor relacionada a intuição ou Budhi. Segundo algumas tradições, o amarelo é a junção do branco – símbolo da Sabedoria – com o vermelho – símbolo do Amor. Os egípcios representavam suas divindades sobre um disco dourado, tradição que foi adotada pelos cristãos ao representarem seus santos com um círculo dourado na cabeça – tratava-se de um tipo de representação da iluminação imortal.

Para a Maçonaria, o amarelo ouro exprime a magnificência e a sabedoria, sendo o amarelo pálido símbolo da traição e do vício. Já o azul extremamente desbotado representa a ausência do que é divino e sublime. Portanto, é importante observar a vivacidade das cores presentes no Dossel.

Já o que chamamos de Retábulo – do espanhol retablo – é a estrutura, ou painel, que se encontra abaixo do Dossel e atrás do trono do Venerável Mestre. Nesse painel vemos a Lua e o Sol, respectivamente à direita e esquerda do trono, estando o Delta Luminoso ao centro.

Albert Mackey escreve que “a adoção da Lua no Sistema Maçônico e por anologia, mas pode ser apenas por derivar este símbolo das antigas religiões. No Egito, Osíris era o Sol e Ísis a Lua; na Síria, Adonis era o Sol e Astarot a Lua; os gregos a adoravam como Diana e Hecate; nos mistérios de Céres, enquanto o hierofante ou sumo sacerdote representava o Criador; e o portador de archote o Sol, o epibómios, ou o oficial mais próximo do altar, representando a Lua. Em suma, o culto da Lua era bastante difundido, tanto quanto o do Sol. Os Maçons mantêm a sua imagem em seus Ritos, porque a Loja é uma representação do Universo, onde, como o Sol governa durante o dia, a Lua preside durante a noite; como um regula o ano, assim faz o outro com os meses, e como o primeiro é o rei do exército estelar, esta última é a rainha; ambos, porém, recebem o calor, a luz e a potência Dele que, como a terceira maior luz, o Senhor do céu e da Terra, controla a ambos”.

Está divindade máxima que, no dizer de Mackey, fornece calor, luz e potência ao Sol e a Lua é representado pelo Delta Luminoso, que está ao centro do Retábulo. Este consiste em um triângulo equilátero – símbolo da perfeição, da harmonia e da sabedoria, dentre muitos outros simbolismos – estando em seu centro o olho da inteligência ou da consciência desperta. Do centro do olho seguem raios luminosos, simulando uma irradiação, símbolo da emanação divina que a tudo forma.

Outro elemento presente no Retábulo são as nuvens que a tudo permeiam. Nuvens são resultado da condensação de partículas de água, e estruturas indefinidas. Em nosso contexto elas são a reunião das emanações divinas ainda em estado primordial e incognoscível. Saint Martin escreve que as nuvens “escondem o brilho da luz que às vezes abrem sulcos nas trevas humanas, porque nossos sentidos não poderiam suportar o esplendor.”

Por fim temos no Retábulo a representação do aglomerado estelar das Plêiades. Para os antigos, esse pequeno aglomerado era o centro solar da galáxia, mas aqui se relacionam aos Maçons, pois a palavra possui significado etimológico à reunião de sete pessoas ilustres ou sete Mestres Maçons.

O AVENTAL

O avental é a vestimenta mais importante para o maçom, e se constitui por si só detentora de um simbolismo iniciático rico e completo. Inicialmente seu uso está relacionado à sagrada tarefa de construir. Desde os mais remotos tempos, quando o homem começou a utilizar suas mãos para modificar as formas, o avental é utilizado como objeto de proteção. Mais tarde veio reunir elementos de identidade social, tornando-se a insígnia característica daqueles que constroem e manipulam a matéria.

Existem arquétipos universais que trabalham no chamado inconsciente coletivo da humanidade, e que são manifestações primitivas presentes na psique humana. Tais arquétipos são referenciais simbólicos que influem no processo evolucionário humano, seja no âmbito individual ou coletivo. Se apresentam através da linguagem simbólica, que é um importante instrumental utilizado para facilitar o significado dos arquétipos, tornando-os um pouco mais compreensíveis a nosso modo racional de pensar.

O avental em si é a expressão de um arquétipo relacionado à proteção, mas também possui múltiplos significados. Muitas culturas mundo afora adotam o avental como símbolo da vontade criadora, e da pureza de intenções do artífice. Para alguns o avental é associado a proteção dos dois chacras ou centros de energia inferiores – básico e sacro. Nesse sentido possui uma função ética, pois ao cobrir a parte inferior do corpo, refrega as paixões e as afetividades extremas, ao mesmo tempo que deixa descoberto as partes superiores do corpo, as quais são sede das faculdades racionais e espirituais, que são necessárias ao trabalho do espírito, que produz o verdadeiro iniciado.

É também a principal vestimenta do maçom e suas origens remontam ao tempo da Maçonaria Operativa, quando tinha utilidade prática durante o ofício. Inicialmente era inteiramente branco e, com o passar dos séculos, foram incluídos adornos para identificar o simbolismo em cada grau correspondente, nos muitos ritos e potências maçônicas existentes. Podemos ainda, relacioná-lo a um triplo simbolismo: o da pessoa que se dedica ao trabalho – o Maçom – , que pertence a um meio de trabalho – a Maçonaria –  e proteção aos riscos do trabalho – na escola alquímica de formação do caráter.

O avental caracteriza a roupa do iniciado, sendo ainda o emblema do trabalho, e recordando ao maçom que ele deve ter uma vida dinâmica e voltada ao trabalho no autoaperfeiçoamento

L. Wilmshurst, em seu livro “The Meaning of Masonry” escreve:

” Lembrai-vos de que usais o avental primeiro com a abeta levantada, sendo assim uma insígnia de cinco ângulos, indicando os cinco sentidos, por meio dos quais entramos em relações com o mundo material que circunda nossos ‘cinco pontos de fidelidade’ ou ‘ perfeição’, mas indicando também pela porção triangular em cima, em conjunção com a porção quadrangular embaixo, que a natureza do homem é uma dualidade de alma e corpo.”

O avental se relaciona a túnica de pele com que Adão e Eva ocultaram a sua nudez a pós o pecado original. É a vestimenta do espírito ao “cair” no mundo manifestado e o veículo que cada um deverá vestir para realizar a obra da construção universal.

Podemos então relacionar o avental do aprendiz com a constituição septenária presente na tradição esotérica oriental. Esta constituição representa o próprio homem e seus veículos manifestados e sutis, conforme representado ao lado.

Juntos, o triângulo e o quadrado possuem sete ângulos internos. No quadrado encontramos ângulos retos, simbolizando a retidão no agir enquanto lidamos com os quatro elementos ou veículos de aperfeiçoamento do espírito na matéria. O triângulo possui três ângulos agudos que podem variar de acordo com os graus de perfeição da percepção espiritual.

Wilmshurst escreveu que:

“O trilateral emblema no alto, adicionado ao quadrilateral emblema formam ambos o sete, que é o número perfeito, pois está escrito nume antiga doutrina hebraica, a qual a Maçonaria esta intimamente aliada: ‘Deus abençoou e amou o número sete mais do que a todas as coisas sob o Seu trono’, pelo que significa que o homem, o sétuplo ser, é a mais dileta das obras do criador.

 O avental é o símbolo da vestimenta corpórea e da condição da alma (mais de sua permanente corporeidade invisível, que sobrevive a morte, do que do seu corpo físico temporal). A alma fabrica o seu próprio corpo ou ‘avental’, por meio de seus próprios desejos, e pensamentos (cf. Gen III:7: ‘eles fizeram seus aventais’), e segundo sejam estes puros ou impuros, assim será o corpo físico correspondentemente transparente e branco ou denso e opaco.”

O avental do aprendiz é branco por associar o grau a pureza da alma recém-nascida, e a abeta levantada indica que o triângulo ainda não é incisivo sobre a matéria. O avental do Companheiro possui a abeta virada para baixo, indicando que o espírito começa a impor ação sobre a matéria, e o homem começa a desabrochar e a brotar ao iniciar o processo de descoberta da quintessência, representado pela presença da pentalfa – a joia do grau de Companheiro – na abeta sobreposta do avental. A presença da cor azul-celeste permeando o avental, também remete a espiritualidade, lembrando ao Companheiro Maçom que agora deverá observar a sutileza esotérica e iniciática que cerca o seu processo formativo dentro do modo de vida Maçom.