VIRTUDES DO COMPANHEIRO
A palavra virtude tem origem no termo grego areté que se refere a um conceito próximo a excelência em algum ofício ou atividade. A palavra vem traduzida para o latim como virtus, de onde se originou o nosso termo virtude, em português. Virtude significa, segundo alguns dicionários: “disposição firme e constante para a prática do bem, boa qualidade moral, equilíbrio, força e valor, que se opõe ao vício”. O contrário da virtude é o vício, que degrada ou destrói o homem.
A virtude se constitui de uma série de conceitos muito particulares e abstratos, que não podem ser aprendidos de forma acadêmica. A virtude requer uma didática essencialmente prática para ser ensinada e corretamente entendida. A figura do mestre ou tutor medieval retrata bem esse modo pedagógico de ensino-aprendizagem, o qual privilegiava a convivência entre aluno e mestre e a devida assimilação das virtudes deste último pelo primeiro, por intermédio da prática rotineira de condutas saudáveis ao espírito.
No livro “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes”, André Conte-Sponville lista algumas das virtudes que considera basilares à civilização. São elas: polidez, fidelidade, prudência, temperança, coragem, justiça, generosidade, compaixão, misericórdia, gratidão, humildade, simplicidade, tolerância, pureza, doçura, boa-fé, humor e amor. Este rol proposto pelo autor é bem amplo e vale a pena a leitura atenta do livro, que é um convite à reflexão e a validade da aplicabilidade das virtudes no dia a dia.
Para a tradição cristã, no momento do sacramento do batismo, são infundidas as virtudes necessárias à prática do bem pelo cristão. Elas possuem natureza teologais e morais. As teologais são: fé, esperança e caridade. Já as morais – também chamadas humanas ou cardeais são: prudência, justiça, fortaleza e temperança.
As virtudes cristãs são associadas, na Maçonaria, a escada de Jacó, a qual representa o sonho que Jacó teve, no qual observou os anjos subindo e descendo aos céus. Este simbolismo é o indicativo de que o caminho para a ascensão até as mansões celestiais se dá pela prática das virtudes. O movimento ascendente e descendente dos anjos nos indica o movimento de subida e descida da alma, a qual pode estar cristalizada e muito ligada ao corpo físico encarnado ao mesmo tempo que anseia por seguir até as esferas sublimes, procurando extinguir seus vícios e habitar novamente o estado pacífico do mundo do espírito. O movimento ascendente é caracterizado pelo desejo inato pela ascensão e pela luz, que motiva os seres, em um ou outro grau. O Maçom deve se ater a este simbolismo não como um referencial árido, porém como uma prática quotidiana necessária à sua devida evolução espiritual dentro da Maçonaria. Esta é essencialmente uma escola de construção de homens virtuosos. Toda a simbologia remete a esse fim.
Alguns consideram a humildade uma porta de entrada para o aprendizado das demais virtudes, haja vista que o cabedal de ideias e conceitos pré-concebidos reunidos por anos de experiências viciosas e nocivas, pode gerar óbices a novos e saudáveis hábitos. Assim, um Maçom com anos de convivência com vícios de Loja pode se mostrar resistente ao aprendizado das verdadeiras virtudes maçônicas quando se depara com elas. De nada adianta a ostentação de títulos e medalhas se o Maçom não pratica e observa a virtude em si mesmo e a distribui aos demais. O Maçom deve ser um canal por onde a virtude descende dos céus e se transmite aos demais seres. Ele possui o dever sagrado de ser um guardião da verdade e da sabedoria divina, e por isso deve proceder e se comportar como se estivesse diuturnamente ante a uma presença divina que a tudo vê e observa. Não é possível dissociar a prática das virtudes do entendimento teórico acerca delas. Fugir a esta regra é faltar com a verdade perante o tribunal da própria consciência.
A alegoria que nos foi legada pelos egípcios, acerca do julgamento do morto nos planos celestiais nos apresenta a ideia do julgamento do desencarnado pelas divindades. Após ser apresentado, pelo deus Anúbis, a assembleia dos quarenta e dois deuses, presidida por Osiris, o morto sofria uma avaliação e um julgamento onde sua vida terrestre era desnudada. No ápice desse julgamento Osiris pesava o coração do morto em uma balança, sendo o contrapeso uma pena, que deveria abalançar mais que o coração. Logo, para ser aprovado pela assembleia e merecer as mansões celestiais o coração do julgado deveria estar mais leve que a pena, caso contrário o morto seria entregue ao deus Seth – o crocodilo – para ser devorado, iniciando um novo ciclo de encarnação, submetendo-se a mais aprendizado.
Esta alegoria nos remete à serenidade que acompanha o homem virtuoso, que de fato possui o coração tão leve como uma pena e desconhece os tormentos que acompanham aquele que possui muitas coisas a corrigir ou reivindicar. A virtude é coirmã da simplicidade e da vida limpa. Outra alegoria que faz referência a escada de Jacó é a chamada Escada de Ouro, um documento apresentado por Helena Blavatsky, fundadora do movimento teosófico moderno. Na introdução ela escreve:
“Quem não retira a sujeira com a qual a fonte de sua inspiração pode ter sido contaminada por um inimigo, não ama sua fonte de inspiração, nem honra a si mesmo. Quem não defende os perseguidos e os indefesos, quem não compartilha sua comida com os famintos nem tira água do seu poço para os que têm sede, este nasceu demasiado cedo sob forma humana. Observe a verdade diante de você.”
Daí segue a o texto da Escada de Ouro, estruturado como se estivesse em degraus:
Vida limpa,
mente aberta,
coração puro,
intelecto ardente,
clara percepção espiritual,
afeto fraternal para com seu codiscípulo,
presteza para dar conselho e instrução,
leal sentido de dever para com o instrutor,
pronta obediência aos preceitos da VERDADE,
uma vez que nela pusemos nossa confiança
e cremos que o instrutor a possui;
corajoso suportar das injustiças pessoais,
destemida declaração de princípios,
valente defesa daqueles que são injustamente atacados,
e mira constante no ideal de progresso e perfeição humanos,
que a ciência secreta (Gupta-Vidya) revela –
esta é a Escada de Ouro,
cujos degraus pode o Aspirante galgar
até o Templo da Sabedoria Divina.
O Companheiro Maçom tem na Estrela Flamigera um importante referencial para a lembrança constante acerca das virtudes básicas a serem praticadas. Ela também é referida como PentAlfa, palavra formada pelos vocábulos gregos Penta e Alfa, sendo esta última a primeira letra daquele alfabeto. Esta letra inicia as palavras gregas correspondentes a atitudes a serem adotadas pelo Companheiro Maçom em sua caminhada: ATREO (ver), AISTO (ouvir), ADALESQUE (meditar), AGATOPOEIRO (bem agir) e ABAQUIDZI (calar); bem como as palavras gregas que indicam as cinco virtudes que devem ser observadas pelo Companheiro Maçom em sua caminhada: AGANETOS (amável), AGELASOS (benéfico), AGATHOERGOS (incorruptível), ADIAFITHORTOS (casto) e AGNOS (severo).
A amabilidade é virtude irmã da gentileza, cuja prática inspira confiança aos demais e cria laços de irmandade com todos os seres. Ser benéfico é ser confiável e capaz de reparar o mal onde ele estiver. A bondade é agradável a natureza como um todo e se constitui em pré-requisito indispensável para o processo de desvelo de leis ainda inexploradas pela natureza.
A incorruptibilidade está associada inicialmente a um tipo de ecologia interna. Cabe a cada um observar as regras que constituem o respeito próprio, cuidando da saúde física e mental de si mesmo. O princípio hermético da correspondência nos fala que o macrocosmo espelha o microcosmo, assim é importante levarmos os conceitos de ecologia interna para o meio social em que vivemos, observando a aplicabilidade de leis morais entre os nossos pares. A convivência em sociedade depende do respeito mútuo entre os cidadãos e a devida aplicação dessa mesma lei moral aqueles incapazes de coexistir com os demais.
Quando falamos de castidade, nos referimos a uma vida diversa da dos monges ou iogues. Aqui nos referimos de castidade espiritual, a qual nos afasta de uma vida promiscua. Aquele que se deixa ser dominado pelos instintos do corpo deverá meditar acerca da necessidade de autocontrole e focar em interesses mais elevados. O Maçom está em uma via virtuosa e deve se comportar como tal.
Finalmente a severidade não significa dureza nem ausência de doçura, mas se refere a objetividade no cumprimento dos deveres e das regras de conduta maçônicas. Se refere ainda ao compromisso firmado consigo mesmo, de se tornar um buscador e propagador da Verdade. Aquele que é escravo de seus princípios morais é senhor de si mesmo.
Sabemos o quanto é difícil a prática das virtudes nestes tempos ditos modernos, onde existem muitas armadilhas morais e distrações para nos rumarem ao esquecimento do modo de vida maçônico. Sêneca nos diz que podemos combater um vício praticando a virtude que lhe é oposta. Assim, meditando diariamente e fazendo uma autoanálise é possível seguir virtuosamente no processo maçônico.